quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Enem não contempla especificidades da educação indígena, afirma especialista





Resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2010 divulgados nesta segunda-feira (12/09), pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), revelam que a instituição que obteve a menor nota (359,79 pontos), dentre todos os níveis de participação, foi a Escola Estadual Indígena D.Pedro I, localizada no município de Santo Antônio do Içá, no estado do Amazonas. A média nacional foi de 511,21 pontos.

Outras duas escolas indígenas integram o quadro das vinte com menor desempenho no exame. São elas: Txeru Ba e Kua – I, localizada em Bertioga (SP), com 432 pontos (e mais de 75% de participação); e a Escola Estadual Indígena Cacique Manuel Florestino Mecuracu, de Benjamin Constant (AM), com 438,89 pontos (e participação entre 2% e 25%).

Para o antropólogo Luís Donisete Grupioni, pesquisador do Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da USP (NHII-USP) e coordenador do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepê), os resultados não causaram surpresa. Isso porque, segundo ele, o Enem não considera as especificidades da educação indígena.

“As escolas têm direito a uma organização curricular própria, ciclos de ensino próprios, ou seja, a um conjunto de medidas a serem exercidas de maneira diferenciada, mas as avaliações nacionais não dão conta dessa realidade”, afirmou ele.


Portal Aprendiz – Dados do Enem 2010 revelam que, dentre as notas mais baixas, está a de uma escola indígena do Amazonas*. O senhor acredita que esse tipo de prova é capaz de avaliar um modelo tão específico como o da educação indígena no Brasil?

Luís Donisete Grupioni - Esse dado é um absurdo. Os índios conquistaram, com a Constituição de 1988, o direito a uma educação diferenciada, o que foi referendado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em 1996. Segundo o texto, a educação indígena deve estar voltada para a manutenção da cultura, das tradições, além de oferecer acesso aos conhecimentos universais. Isso virou uma política do estado brasileiro desde então. É claro que em alguns lugares ela é melhor executada – porque os professores foram bem formados, há material didático na língua indígena, estrutura – enquanto em outras isso não ocorre – porque não recebem material didático nacional, não contam com computadores, biblioteca -, enfim, há hoje no Brasil níveis variados de qualidade da educação indígena.


Luís Donisete Grupioni: Se os índios têm direito a uma educação diferenciada, por que na hora de avaliar isso deixa de valer?



É evidente que a aplicação de um exame nacional, unificado, sem considerar que a educação indígena é diferenciada, apresentaria esse resultado. As escolas têm direito a uma organização curricular própria, ciclos de ensino próprios, ou seja, a um conjunto de medidas a serem exercidas de maneira diferenciada, mas as avaliações nacionais não dão conta dessa realidade.


Portal Aprendiz – Então esse resultado já era esperado?


Grupioni - Não me espantei quando vi. O que me espanta é saber que o Estado brasileiro tem uma política de educação diferenciada, mas não realiza uma avaliação que contemple as especificidades do ensino aplicado na aldeia. O problema é que o Enem não é adaptado aos materiais didáticos e ao currículo dessas escolas.


Portal Aprendiz – Existe alguma iniciativa para que essas adaptações sejam feitas?

Grupioni - Existem reivindicações, por parte dos índios, de eles não sejam submetidos a essas avaliações e que realizem outro tipo de prova. Essa questão tem sido pauta da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), criada pelo governo federal, através de uma subcomissão de educação, que pede hoje a revisão da Prova Brasil e do Enem.

Em novembro de 2009, o Ministério da Educação (MEC) promoveu a primeira Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena. Dentre as reivindicações aprovadas, estavam provas diferenciadas para avaliação institucional das escolas indígenas. Em 2011, o Inep lançou um edital para contratar consultores que realizassem estudos nas comunidades indígenas com o intuito de repensar a avaliação desse tipo de ensino, mas até agora nada foi feito.


Portal Aprendiz – Como as escolas indígenas recebem os resultados dessas avaliações?

Grupioni - Com um sentimento de indignação, de um lado, e frustração, de outro. Afinal, se os índios têm de fato direito a uma educação diferenciada, por que na hora de avaliar isso deixa de valer? Existe a questão da oralidade, a necessidade de se levar o conhecimento tradicional pra dentro das escolas, a importância do conhecimento dos mais velhos sobre a natureza, enfim, nada disso é considerado por esses exames.


Portal Aprendiz – E qual a relevância do Enem hoje para os índios que pretendem seguir os estudos nas universidades?

Grupioni - Muito pouca, porque os índios entram no ensino superior por meio de dois mecanismos: Primeiro, por meio de cursos de licenciaturas específicos para formação de professores indígenas, através do Prolind [programa do MEC que dá apoio à formação superior de professores que atuam em escolas indígenas de educação básica. O objetivo é formar professores para a docência no ensino médio e nos anos finais do ensino fundamental das comunidades indígenas], nos quais o Enem não interfere para ingresso.

A outra forma é por meio de cursos específicos voltados para os índios. Algumas universidades abriram vagas utilizando o mecanismo das cotas, o que também acaba tirando o peso do Enem. Da forma como está hoje, o Enem interessa muito pouco para os índios.


Portal Aprendiz – Mas, considerando todos esses fatores, a participação dessas escolas não foi tão baixa.

Grupioni - O número de indígenas que cursam o Ensino Médio em aldeia é hoje muito baixo. Há uma concentração muito grande no primeiro ciclo do Ensino Fundamental, mas nos anos seguintes esse percentual é muito baixo. A maior parte das escolas indígenas têm poucos alunos. Esse é, inclusive, o argumento utilizado pelo MEC para que algumas escolas não recebam computadores.

Embora nos últimos anos tenha-se avançado muito na formação de professores indígenas, ainda há muito o que fazer. Muitas escolas não contam com professores formados para oferecer esses níveis de escolarização nas aldeias. Por outro lado, os índios que prosseguem os estudos são muito poucos e, os que o fazem, acabam indo para uma escola da cidade.



Fonte: Portal Aprendiz

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