É difícil defender uma ideia quando ela é desconhecida ou mal entendida pelos interlocutores. Sempre que falo em progressão continuada, em vez de sair apoiando essa maneira de organizar o tempo escolar, me vejo na obrigação de, antes de tudo, deixar bem claro sobre o que vou tratar. Há muita confusão, pois esse conceito é imediatamente confundido com “aprovação contínua” ou “aprovação automática”. Então vamos aos esclarecimentos.
Aprovação automática quer dizer sem avaliação, sem orientação, sem cobrança, sem algum apoio. Sendo assim, sem nenhum critério, o aluno é empurrado adiante, correndo ele os riscos de não estar preparado para nada e podendo, mais tarde, atribuir à escola – com razão – o abandono a que foi submetido, sem ter nenhum tipo de orientação.
Progressão continuada, ao contrário, é um alargamento do conceito de período escolar, pois prevê, em vez de anos, ciclos. E aí é possível falar em ciclo letivo, com mais do que os 200 dias previsto na lei, e também em ciclo de aprendizagem do aluno – e esse pode ser de dois ou três meses, um semestre, um ou mais anos. Dividir o tempo escolar fugindo do calendário anual tem por objetivo aprofundar a concepção sobre o ensino e a aprendizagem. Sabe-se, comprovadamente, que as crianças têm diferentes habilidades e, por isso, diversas maneiras e ritmos para aprender. Mas todos podem chegar lá. E chegam. Às vezes, alguns meses ou um semestre a mais são suficientes para constatar mudanças no aluno. Em um curto período de tempo, ele pode amadurecer, superar um problema familiar ou adquirir mais segurança com a ajuda de um professor – fatores que repercutem profundamente na sua capacidade de aprender.
Reprovar a criança uma, duas ou três vezes e mandá-la ficar com colegas menores causa problemas de adaptação e provoca desinteresse por ela ser obrigada a ver e estudar tudo de novo. Quando adota essa prática, a escola se assemelha a uma indústria automobilística, que devolve à fundição as engrenagens que não estão dentro das normas técnicas. Só que com seres humanos é diferente: não há padrão e, no que diz respeito ao retorno ao início, não se pode dizer que não houve aprendizagem alguma no ano “perdido”. O resultado da reprovação anual na rede pública é a expulsão de milhares de jovens da escola, colocando-os no abandono e na marginalidade.
Os sistemas de progressão continuada são a forma mais eficaz e justa de estabelecer os prazos de reprovação para mudança de fase escolar. Na Finlândia, que tem uma realidade bem diferente da nossa, o ciclo básico é de nove anos e só após esse tempo são feitas as provas que indicam quem ficará retido. Na cidade de São Paulo, Paulo Freire (1921-1997), quando secretário de Educação, entre 1989 e 1991, propôs que os ciclos fossem de três anos no Ensino Fundamental e apenas no fim de cada um haveria exames que definiriam se o aluno seria retido ou não. Sistemas desse tipo devem vir acompanhados de um mecanismo que permita a correção dos rumos antes do fim do ano e envolva os professores em planos de orientação dos alunos com dificuldades. Na verdade, é bom que se diga, essas dificuldades, geralmente, não são dos alunos, mas da escola, do currículo (com pouco ou nenhum significado para eles) e dos professores.
A solução para um ensino eficaz não está na repetição dos conteúdos ou na afirmação – pobre – de que os jovens não gostam de estudar. Está na obrigação que a escola tem de oferecer a oportunidade de todos aprenderem.
Fernando José de Almeida é filósofo, docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e diretor de Educação da Fundação Padre Anchieta.
Fonte: Revista Escola
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