Escolas que abrem portas para o mercado de trabalho, aulas ao ar livre, visitas a parques e museus, novas tecnologias à disposição dos alunos e investimento na formação de professores. Para a grande maioria dos jovens brasileiros, iniciativas como essas parecem utopia, mas todas já existem em plena rede pública e dão resultados que apontam caminhos para reverter o fracasso do ensino médio retratado pela série especial do iG Educação.
Uma das ações mais apoiadas por especialistas na área é o crescimento da oferta de vagas em cursos profissionalizantes. Além da conexão com o ambicionado mercado de trabalho que aumenta o interesse dos jovens pelo estudo, os exemplos mostram que as escolas com ensino médio integrado a cursos técnicos conseguem melhores resultados no aprendizado das disciplinas básicas.
Os alunos dos Institutos Federais, que oferecem essa integração, obtiveram nota média igual a dos países mais desenvolvidos do mundo no
Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), que testa capacidades em leitura, matemática e ciências. As Escolas Técnicas Estaduais, em São Paulo, também estão entre as primeiras colocadas no
ranking do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
No Brasil todo, no entanto, há apenas 860 mil vagas para cursos assim, incluindo a rede particular: uma para cada 10 jovens que estão no ensino médio. “Nos países mais ricos, a oferta de profissionalizantes é de 20% a 30% do total da etapa. No Brasil, estamos em 10%”, lamenta Wanda Engel, superitendente do Instituto Unibanco.
O governo federal anunciou um programa que deverá ampliar este porcentual dando a alunos de escolas públicas
bolsas para cursos no Sistema S, que gerencia Sesi, Sesc, Senai e Senac. A previsão é de que no primeiro ano sejam ofertadas 1,6 milhão de vagas. “Vamos ver como vai funcionar, o ideal seria que essa formação fosse dentro da escola para ajudar a tornar aquele ambiente interessante”, diz a doutoranda em Educação e presidente do Centro de Estudos e Memória da Juventude, Fabiana Costa.
Ensino Médio Inovador
A aposta do Ministério da Educação (MEC) para melhorar a escola tradicional é o projeto piloto Ensino Médio Inovador, que começou a ser implantado no final de 2009 em 357 escolas – 2% das 17 mil unidades desta etapa – em 18 Estados. O governo federal envia uma verba diretamente para a instituição que formular um projeto em que os estudantes tenham 20% mais tempo de estudo com atividades culturais e recuperação de conteúdos em que demonstrem dificuldades.
O responsável pelo projeto, Carlos Artexes, foi diretor de Concepções e Orientações Curriculares para Educação Básica do MEC até janeiro deste ano, quando decidiu voltar a dar aulas em uma instituição de ensino superior no Rio de Janeiro. “Percebemos que era importante fortalecer a cultura das escolas e aumentar o tempo que o aluno passa dentro dela. Vamos ver os resultados em 2012, quando os alunos que estavam no 1º ano em 2010 se formarem”, conta.
Na escola estadual Laércio Caldeira de Andrada, em São José, Santa Catarina, os benefícios já são comemorados. No ano passado, os alunos participantes foram conhecer museus em Porto Alegre, projetos ambientais em Curitiba e áreas históricas em Florianópolis, como a vila de pescadores Pântano do Sul.
Dentro da escola, tiveram aulas com a participação conjunta de professores de diferentes disciplinas e novos materiais adquiridos com a verba, como máquina fotográfica, filmadora e laptop.
“Das quatro turmas que temos, duas participaram e a diferença de resultados em evasão e aprendizado foi grande”, diz a assistente técnica pedagógica Rosilane Rachadel Martins, que coordena o projeto na unidade.
Ela aponta problemas, como a falta de espaço físico para montar salas e de um profissional pago para tratar apenas do projeto, mas defende que o programa seja estendido para todo o País. “Agora os alunos têm mais expectativas da escola”, resume.
Artexes acredita que o caminho da mudança é esse, ainda que dependa da adesão dos Estados e da criatividade das equipes pedagógicas de cada escola. “O Brasil é uma federação, e os Estados têm autonomia para conduzir o ensino médio, que é responsabilidade deles.
Mudanças radicais, como as da China, acontecem em culturas autoritárias. Nós não queremos isso”.
Secretários conhecerão novas diretrizes em março
A mesma linha segue o Conselho Nacional de Educação, que discute desde agosto do ano passado novas diretrizes para o ensino médio. O relator da comissão, José Fernandes de Lima, diz que as ideias estão prontas, mas como muitos responsáveis pelas secretarias estaduais foram trocados com os novos governos empossados este ano, haverá uma nova conversa, já agendada para 30 e 31 de março.
Liliane Oliveira estagia no laboratório de informática da escola
Segundo ele, o esboço das diretrizes, que já está pronto, pede ênfase nas disciplinas ligadas a trabalho, cultura e ciências, mas em vez de fórmulas, incentiva que os sistemas e unidades avaliem do que precisam.
“O resumo da nossa mensagem para os gestores é: descubram e assumam a personalidade da sua escola e façam com que isso se aproxime dos interesses da juventude que está perto de você”, afirma Lima.
Outros projetos, com bons resultados, ainda que isolados, são de iniciativas de cada secretaria estadual. Em São Paulo, o governo contratou alunos do ensino médio como estagiários do laboratório de informática. Os jovens, que costumam ter uma afinidade maior com a internet do que a maioria dos professores, ganham R$ 400 para passar quatro horas a mais na escola e mantêm abertas as salas de computadores que antes passavam a maior parte do tempo fechadas.
A estagiária Liliane Miranda de Oliveira, de 17 anos, atende professores e alunos da escola estadual Angela Bortolo diariamente. “Eu já sabia informática, mas aprendo a lidar com as pessoas e ajudo quem tem dificuldade”, diz. O diretor da escola, Washington Luis dos Santos Falcão, afirma que os demais estudantes ficaram satisfeitos por contar com o laboratório à disposição no contraturno e que os estagiários apresentam melhora no comportamento estudantil.
Formação e aumento de salário
No Espírito Santo, foi feito um investimento nos professores de matemática, disciplina em que os alunos mais apresentam dificuldades. Uma parceria da Fundação Roberto Marinho com a Secretaria de Educação oferece formação aos docentes da área no ensino médio de 300 escolas desde 2008. Nos dois primeiros anos, os encontros entre os educadores eram quinzenais e, em 2010, passaram a ser trimestrais, mas foi montado um curso à distância com uma rede social própria para 1.500 educadores trocarem ideias.
Professores de matemática do ensino médio em formação que melhorou média dos alunos em três anos
Para apurar os resultados, é realizada uma avaliação com os alunos nos mesmos moldes do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), do governo federal. Em 2008, a nota média foi 242, em uma escala de zero a 400, no ano seguinte, 251, e no ano passado, chegou a 272. A professora Marinete Santana, de São Mateus, no interior do Estado, usa o próprio exemplo para dizer que a mudança foi maior do que atestam os números. “Antes, a gente pulava conteúdo que não sabia, eu fazia isso com geometria”, assume.
Os professores recebem R$ 160 por mês para fazer a formação com 40 aulas. Também houve um expressivo aumento nos salários na rede estadual. Marinete, por exemplo, ganha R$ 2.400 por 40 horas semanais, o dobro do que há 4 anos. “Ainda não é compatível com a remuneração de outros profissionais com ensino superior, mas percebi que já aumentou o interesse pela carreira”, diz.
São ações que respondem aos problemas de
desinteresse e desistência dos alunos,
baixo nível de aprendizado e
má formação do professor, apresentados nesta série. Falta, agora, deixarem de ser exceções.